Um espetáculo inovador, 'Uma Nova Perspectiva', aborda a cegueira de forma acessível para os mais novos, desmistificando preconceitos e mostrando que a vida continua cheia de possibilidades.
'Uma Nova Perspectiva' é uma produção teatral que se destina a crianças dos 6 aos 10 anos, combinando dança e teatro. Neste espetáculo, duas jovens amigas exploram a fascinante história de Louis Braille, o inventor do sistema de escrita tátil, demonstrando que, mesmo com limitações, é possível viver e descobrir o mundo de "outra maneira".
Joana Gomes, bailarina cega e uma das criadoras, revelou à Lusa que sempre teve o desejo de trabalhar com crianças: "Acredito que as gerações mais novas podem contribuir para uma sociedade mais informada e inclusiva."
A ideia para o espetáculo surgiu em 2017, quando Joana interagiu com alunos de várias idades em escolas públicas. Durante essas aulas, as crianças fizeram perguntas como "Tu choras?", "Tu sonhas?" e "Tu não vês mesmo nada?", que se tornaram fundamentais para a narrativa do espetáculo.
Num dos momentos do espetáculo, as protagonistas estão deitadas a ler em diferentes formatos. Uma utiliza um 'tablet', enquanto a outra lê em papel, tocando a escrita Braille. Quando uma delas pergunta a Joana se realmente não vê nada, a resposta é clara: "Não vejo cores ou sombras, mas consigo 'ver' as histórias, porque elas estão em Braille".
Joana explica então como Louis Braille desenvolveu seu sistema a partir do código morse, permitindo a leitura tátil já aos 15 anos. As duas amigas demonstram como se pode escrever em Braille utilizando o corpo, usando um tapete que ilustra as letras através de circunferências.
Quando Joana menciona que sonha, mas de uma forma única, Inês fica intrigada: "Então tu vês tudo, mesmo tudo!". Joana, com um sorriso, responde: "Faço tudo como tu, mas de uma maneira diferente."
Joana expressou que o principal objetivo do espetáculo é abordar a deficiência visual de maneira leve e educativa, esclarecendo os mitos e ajudando as crianças a entender o que é o Braille e como lidam as pessoas cegas com a sua realidade. "Queremos também auxiliar quem não tem deficiência visual a fazer perguntas apropriadas", complementou Maria Inês Costa, a outra intérprete e coautora.
Joana acredita que, ao assistirem ao espetáculo, as crianças compreenderão que a cegueira não é um entrave e que existem muitas possibilidades além dessa condição. "Vocês vão perceber que ver uma pessoa cega a dançar é algo que pode surpreender, e que a vida continua cheia de potencialidades", disse.
Após a apresentação, um workshop permite que as crianças façam perguntas livremente, tocando em temas como se as pessoas cegas cozinham ou como escolhem a fruta, quebrando estereótipos e proporcionando um entendimento mais claro sobre o dia a dia das pessoas com deficiência.
Joana acredita que estas interações irão melhorar a forma como as crianças encaram a deficiência visual no futuro. "Esclarecer as dúvidas fará com que, quando se depararem com alguém com deficiência visual, tenham uma abordagem mais empática e informada", afirmou.
'Uma Nova Perspectiva' será apresentada entre os dias 5 e 10 de maio no Espaço dos Coruchéus, com sessões dedicadas a escolas de 5 a 9 de maio e uma apresentação geral no dia 10, que contará com audiodescrição.
Joana sente-se privilegiada por poder trabalhar numa companhia de dança e por ter a oportunidade de levar as suas criações ao público. Defendeu que é fundamental que projetos artísticos de pessoas com deficiência sejam avaliados pela sua qualidade, independentemente da sua condição. Além disso, sublinhou a importância de criar mais espaços de formação artística acessíveis para pessoas com deficiência em Portugal.