Memórias Disputadas: Amílcar Cabral e a Luta pela Independência em Cabo Verde
Investigadores discutem a complexidade da memória em torno de Amílcar Cabral e da luta de libertação em Cabo Verde, 50 anos após a independência.

Em Cabo Verde, a memória associada à luta de libertação e à figura de Amílcar Cabral permanece um tema de intenso debate, mesmo passados 50 anos desde a independência do arquipélago. Os investigadores portugueses Inês Nascimento Rodrigues e Miguel Cardina, que se encontram na Praia para participar nas celebrações do meio século de emancipação política, afirmam que não há consenso sobre este legado.
Miguel Cardina assinala que "a luta e Cabral são ainda hoje alvo de disputas memoriais". Para Inês Nascimento Rodrigues, “a memória da luta de libertação em Cabo Verde está longe de ser consensual”. A figura de Cabral, por um lado, representa um símbolo de identidade nacional, enquanto, por outro, provoca debates políticos.
Ambos investigadores, ligados ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, destacaram que, após a revolução de 25 de Abril de 1974, houve uma "mobilização de setores a favor da manutenção de laços com Portugal" em Cabo Verde, onde Cabral era o líder do PAIGC. “Cinquenta anos depois, Cabo Verde é visto como um estado independente, mas este entendimento não era partilhado pelas elites da década de 1970”, referiu Cardina.
Embora a independência seja agora um elemento inquestionável da identidade cabo-verdiana, a relação com a luta de libertação e a figura de Cabral não é tão clara. “Nem sempre se considera o papel histórico efetivo que a luta teve”, reconheceu.
Os dois académicos são autores do livro "O dispositivo mnemónico. Uma história da memória da luta de libertação em Cabo Verde", publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 2023. Inês Nascimento Rodrigues destacou que "muitos celebram este passado como um pilar identitário, enquanto outros o desvalorizam", observando que a figura de Cabral ainda é evocada de maneiras variadas, algumas contraditórias.
Atualmente, a luta pela independência e a figura de Cabral são lembradas de formas diversas em Cabo Verde, com a coexistência de homenagens e silêncios. Cabral, morto em 1973, continua a ser reinterpretado, desde a sua imagem quase mítica nas áreas rurais até as críticas que o consideram uma figura ultrapassada.
Por outro lado, jovens e membros da diáspora têm revitalizado o seu legado, como demonstrado pela "Marxa Cabral", um desfile que utiliza o seu nome como uma crítica ao presente. No âmbito das comemorações, a Uni-CV exibiu documentários da jornalista Diana Andringa.
Em 1974, um acordo entre Portugal e o PAIGC permitiu a formação de um governo de transição em Cabo Verde, culminando com a eleição da Assembleia Nacional Popular que proclamou a independência a 5 de julho de 1975.