Uma equipa internacional analisa vestígios arqueológicos em Cacheu, Guiné-Bissau, para entender a influência da escravatura nas práticas agrícolas e na cultura do arroz.
Uma equipa de investigadores internacionais está a realizar um estudo aprofundado sobre os vestígios arqueológicos encontrados nas escavações na cidade de Cacheu, na Guiné-Bissau. O objetivo é avaliar o impacto da escravatura e do colonialismo nas práticas agrícolas, com especial foco no arroz, fundamental na história do mundo Atlântico.
A informação foi partilhada pela Lusa pelo arqueólogo português Rui Gomes Coelho, docente na Universidade de Durham, Reino Unido, que coordena a pesquisa. Em abril, a equipa, que inclui cientistas de Portugal, Colômbia, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Inglaterra e Senegal, concentrou-se nas escavações de uma casa antiga, conhecida como a residência de Honório Barreto, um notório negreiro local.
Em 2022, os investigadores já tinham levado a cabo escavações na antiga Casa Gouveia, atualmente convertida em Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro. Rui Gomes Coelho revelou que foram descobertos “vestígios orgânicos e artefactos” que estão a ser analisados para desbloquear a história de Cacheu e traçar a evolução da sua cultura até aos dias de hoje.
“Queremos saber que tipo de agricultura existia e quando o arroz se tornou uma cultura preponderante, além de investigar se o arroz produzido em Cacheu foi levado para outros lugares por indivíduos escravizados", explicou o arqueólogo. Estudos de outros especialistas sugerem que o arroz africano foi transportado por escravizados para o chamado "Novo Mundo" a partir da África Ocidental.
A investigação inclui análises ambientais e de radiocarbono, uma técnica que determina a idade dos vestígios orgânicos, como carvões e ossos, para elucidar as várias fases de ocupação de Cacheu. Coelho destaca que durante as escavações de 2022, a equipa encontrou vestígios que indicam uma ocupação anterior à chegada dos colonizadores portugueses.
As evidências sugerem que as primeiras habitações eram construídas de barro, sendo posteriormente substituídas por estruturas de pedra no século XIX. Durante as escavações, foram igualmente encontrados objetos europeus e chineses que demonstram a riqueza e o potencial de investimento de Cacheu, considerado um dos principais centros de tráfico na região da Senegâmbia entre os séculos XVI e XVIII.
A pesquisa indica que mesmo após o fim formal da escravatura, Cacheu manteve-se como uma região próspera, embora ainda dependente dos lucros gerados por este comércio. Na casa de Honório Barreto, foram descobertos itens pessoais, incluindo louças chinesas, francesas e inglesas, cachimbos, missangas e outros artefatos africanos, que estarão a ser estudados para compreender melhor a vida quotidiana da época.
Rui Gomes Coelho sublinhou a necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre Honório Barreto, uma figura histórica pouco analisada que desempenhou um papel significativo como governador da colónia da Guiné-Bissau. Apesar de ainda não ter os resultados finais da segunda escavação, o investigador acredita firmemente na relevância arqueológica de Cacheu.
O projeto, intitulado "Ecologias da liberdade: Materialidades da escravidão e pós-emancipação no mundo Atlântico", é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal e realizado em colaboração com as Universidades de Lisboa e de Durham, contando também com a parceria da ONG guineense Ação para o Desenvolvimento.